Crítica XXI

Portugal é há quase meio século governado pelas esquerdas. Se estendermos a ideia de poder ao campo cultural, podemos dizer que esse domínio é até anterior à Revolução e permanece mesmo quando as direitas governam. 

Disto não resulta apenas que as direitas e o seu pensamento sejam mal conhecidos; resulta uma atmosfera cultural e mediática acomodada e maniqueísta sem espaço para a interrogação crítica. 

Crítica XXI quer dar a conhecer a tradição intelectual das direitas e os seus desenvolvimentos actuais, olhando para valores, ideias e princípios com liberdade incondicional.

NÚMERO 11 . PRIMAVERA 2025

Este número da revista Crítica XXI, como se vê na capa, ocupa-se da relação elites/povo no mundo euroamericano contemporâneo. O artigo de Jaime Nogueira Pinto “Alfas e Ípsilones: a Distopia de Huxley no Nosso Admirável Mundo”, parte de uma releitura de Brave New World, o romance de antecipação científica de Aldous Huxley, publicado entre-Guerras, e estabelece o paralelo entre a utopia-distopia ali descrita e o mundo euroamericano contemporâneo: os Alfas de Huxley revelam-se estranhamente próximos das elites dominantes e dirigentes que nos comandam, quer pelo que são, quer pelo que não são. E os seus acólitos Betos também por cá andam.

Carlos Maria Bobone trata do mesmo tema quando pergunta “Onde está o Povo?”, equacionado as contradições do discurso e da actuação da classe política – e das instituições – e a “fuga” dos que pretendem representar.

A Crítica XXI preocupa-se com as questões fundamentais, com os diferentes pontos de partida no pensamento que serve de base a uma sociedade ou uma civilização. Nessa linha, num tempo de pseudo-liberdade intelectual, em que o espaço público, ou melhor, os instrumentos culturais no espaço público, estão dominados pelo “unanimismo correcto”, Alexandre Franco de Sá sustenta em “Filosofia e Conflito: a Filosofia Entre Consenso, Agonismo e Dissenso” que a filosofia é conflito; que, na filosofia como na política, há amigo e inimigo e que o estabelecer de “regras de jogo” entre “inimigos” é a base da civilização.

Em “Pessimisno da inteligência, optimismo da vontade”, Miguel Freitas da Costa escreve sobre os escritos “culturais” de António Gramsci, o filósofo comunista italiano autor dos Cadernos do Cárcere, os famosos textos que só foram possíveis, exactamente porque o autor estava preso “no cárcere fascista” […] o único lugar onde podia trabalhar”. Por isso, e paradoxalmente, os Cadernos só existem graças a Mussolini e Togliati.

Em “A Espionagem Alemã no Sul de Angola – Segunda Parte”, José Luís Andrade conclui a sua investigação histórica à volta do modo como cerca de centena e meia de colonos alemães, espalhados pelos distritos de Benguela e Huila, constituíram uma rede de apoio aos seus compatriotas no Sudoeste Africano na teia de escaramuças que precedeu o chamado “desastre de Naulila” em 18 de Dezembro de 1914.

No cinquentenário do golpe militar de 25 de Abril de 1974, o país foi inundado por uma série de publicações, descrevendo as excelências do novo regime e os horrores do Estado Novo. Mas a verdade tem alguns detalhes, os tais que podem transformar um paraíso num inferno. Todos os que viveram os 18 meses que vão do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975 sabem que a geringonça “antifascista” no poder não deixou de recorrer, sempre que necessário, a métodos muito pouco democráticos para defender a nova situação. Em “Os Presos de Abril – a prisão política em Portugal entre 1974 e 1975”, Rui Ramos estuda e inventaria, com factos e números, a ofensiva do MFA e a lógica das detenções “extra-judiciais”, o arbítrio e a violência contra os detidos exercidos a partir do Outono de 1974, sob o pretexto de defender as conquistas da revolução. E aí a Esquerda esteve unida, a Esquerda comunista e as famílias desavindas de maoistas e trotskistas, colaborando em prisões e sevícias, com os socialistas – e até com distintos centristas – olhando para o lado. Quando foram por eles, mudaram e lembraram-se da democracia e da liberdade. Mas só então.

Na habitual secção de “Notas Críticas”, Eurico de Barros escreve sobre a interessante banda desenhada argentina O Eternauta, de Héctor Gérman Oesterheld e Francisco Solano López, agora adaptada em série televisiva da Netflix. Oesterheld envolveu-se na causa dos Montoneros, activistas radicais argentinos, e deve ter acabado mal, às mãos da secreta militar argentina. A Série da Netflix é de Bruno Stagnaro, com Ricardo Darín no papel do herói, Juan Salvo.

Nos cem anos da publicação de The Great Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, Jaime Nogueira Pinto sublinha a importância do livro, que, além de uma bela história de nostálgica e voluntariosa repetição do passado por uma paixão impossível, é um extraordinário retrato social e político da América da Lei Seca – e, como toda a boa literatura, um tratado sobre a natureza humana.

E é com outro retrato da América que Miguel Freitas da Costa fecha esta edição de Crítica XXI: O Brutalista é um filme de Brady Corbert, que conta a história de um arquitecto húngaro, Lazlo Toth (Adrian Brody), que depois de escapar da Europa do terror e da guerra, chega à América e cai nas boas (más) graças de um milionário americano, Harrison van Buren Jr. (Guy Pearce). O “brutalismo” joga com os excessos do estilo arquitectónico em causa e com a brutalidade e marginalidade inesperadas da história contada na fita.

DIRECÇÃO JAIME NOGUEIRA PINTO E RUI RAMOS